Opinião
- 17 de março de 2015
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A arte precisa de vocação?
Segundo o último relatório da Artprice, em 2014 o mercado de leilões de obras de arte bateu todos os recordes, movimentando 15, 2 bilhões de dólares. Entre 2000 e 2015 foram criados mais museus do que durante os séculos 19 e 20 juntos. Na Ásia hoje, um museu é aberto por dia! Nunca na história da humanidade a arte foi tão valorizada socialmente e monetariamente. Nunca tivemos tantos artistas, escolas de arte, livros de arte. A arte está em todos os lugares e faz parte de praticamente todos os aspectos do nosso cotidiano. Mas este texto não deveria ser sobre vocação e arte? Sim! Mas contextualizar o mercado nesta situação é imprescindível, porque apesar das iniciais notícias animadoras, parece-nos que nunca a arte prescindiu tanto de... vocação!
A revista de cultura “Bravo!” listou os “mandamentos” que dão prestígio, dinheiro e fama a um artista contemporâneo, a saber:
1) Amarás o mercado sobre todas as coisas.
2) Não precisarás dominar a técnica.
3) Aprenderás a falar sobre seu trabalho.
4) Pertencerás a uma galeria.
5) Participarás de feiras de arte.
6) Conhecerás curadores.
7) Viverás como uma celebridade.
A palavra “vocação” nos remete a chamado, capacidade, talento que nos leva a exercer uma atividade ou profissão. Mas segundo estes “mandamentos” acima, nos dias de hoje não é preciso ter vocação para ser artista, pois o que é exigido dos candidatos consiste em um pacote de comportamentos e talentos que pouco se relacionam com habilidades artísticas.
Numa época em que definir o que é arte parece impossível, a total subjetividade no que tange à qualidade das obras e a arbitrariedade que envolve este mercado tornam incertos o futuro e a sobrevivência financeira dos artistas. No caso dos cristãos e das pessoas éticas, a dificuldade é ainda maior, pois a informalidade, lavagem de dinheiro, tráfico e corrupção imperam no ramo. Galerias ficam com a maior parte do valor adquirido com as vendas e costumam “banir” aqueles artistas que solicitam nota fiscal. Viver do mundo artístico é difícil, mas viável, como lecionar em escolas e faculdades, ministrar cursos de pintura, trabalhar em um museu, manter um ateliê de restauração. Mas viver da comercialização da própria arte é um luxo de pouquíssimos ao redor do mundo, ainda mais no Brasil.
Em alguns segmentos específicos, como a ilustração editorial e a ilustração científica, encontramos uma maior objetividade em todos os aspectos, tanto de avaliação dos trabalhos quanto de honorários. Mas são mercados altamente restritos e, infelizmente, mal remunerados. Contam com proporcionalmente poucos artistas, pois não possuem o retorno ou a atratividade de outros ramos e estilos. Fora este segmento, tudo mais nos parece uma aposta às cegas. Por fim, a produção contemporânea responde por somente 13% do mercado artístico na atualidade. Ou seja, além dos inúmeros obstáculos que o artista enfrenta para elaborar sua arte, ainda tem que “morrer” para vendê-la bem!
Apesar dos paradigmas atuais, vocação existe e o jovem que queira seguir uma carreira artística, dentro dos valores cristãos, precisa ter absoluta certeza de que a possui. Tanto o talento, necessário para a produção de uma arte valorosa e excelente, quanto o chamado, indispensável para quem quer sonhar e viver os planos de Deus para a sua vida. Acrescentaria, ainda, a disciplina, porque alguém já disse que arte é 1% inspiração e 99% transpiração. Por maiores que sejam os obstáculos, se este for o propósito do Senhor, nenhuma dificuldade o segurará, as misérias do mundo e as ciladas do mercado serão vencidas na força do Seu poder, para que se cumpra o Seu propósito. Seja produzindo arte religiosa, seja arte secular, o artista cristão é um missionário nesta Terra e todos os seus talentos, em última instância, glorificam Aquele que graciosamente os deu.
Contudo, apesar de quase sempre vocação e profissão andarem juntas, na arte isto costuma não acontecer mais. Vejam o meu exemplo. Quando tinha dezoito anos fiz o meu primeiro curso de arte, em uma renomada escola de Belo Horizonte (MG). Certa ocasião, uma professora perguntou para cada um dos alunos se eles tinham outra profissão ou se planejavam se tornarem artistas em tempo integral. Na época, eu era estudante de arquitetura, mas nutria um secreto desejo de também possuir uma carreira artística remunerada. Cem por cento dos presentes exerciam outras atividades. Constatado o fato, a professora então nos surpreendeu com algo assim... “Vocês fazem tão bem! Viver de arte é tão sofrido... melhor é poder fazer arte sem depender dela para comer!”. Hoje, quase duas décadas depois, trabalhando indiretamente com o universo da arte através dos museus, percebo o livramento que Deus me proporcionou ao me fazer atentar para este conselho. Não depender da arte libertou-me para produzir o que meu coração pedir, sem os ditames do mercado, que não condizem comigo, com meu senso estético ou com a minha fé. Quem sabe este não é o seu caso? Esta é uma resposta que só você, buscando com seriedade e compromisso a face de Deus, pode responder!
Profissionalmente ou não, a arte sempre vale a pena. Como diria Rookmaaker: “de fato, aquilo que não podemos viver sem, não precisa de justificativa”1.
Nota:
1. A Arte Não Precisa de Justificativa, p. 36, Ultimato.
• Ana Cecília Rocha Veiga é professora de Arquitetura na UFMG, Doutora em Arte e Tecnologia da Imagem pela Escola de Belas Artes da UFMG e editora do site de estudos bíblicos “Missionários do Cotidiano”
Leia também
Cristo e a Criatividade
A Arte e a Bíblia
Engolidos pela Cultura Pop
A revista de cultura “Bravo!” listou os “mandamentos” que dão prestígio, dinheiro e fama a um artista contemporâneo, a saber:
1) Amarás o mercado sobre todas as coisas.
2) Não precisarás dominar a técnica.
3) Aprenderás a falar sobre seu trabalho.
4) Pertencerás a uma galeria.
5) Participarás de feiras de arte.
6) Conhecerás curadores.
7) Viverás como uma celebridade.
A palavra “vocação” nos remete a chamado, capacidade, talento que nos leva a exercer uma atividade ou profissão. Mas segundo estes “mandamentos” acima, nos dias de hoje não é preciso ter vocação para ser artista, pois o que é exigido dos candidatos consiste em um pacote de comportamentos e talentos que pouco se relacionam com habilidades artísticas.
Numa época em que definir o que é arte parece impossível, a total subjetividade no que tange à qualidade das obras e a arbitrariedade que envolve este mercado tornam incertos o futuro e a sobrevivência financeira dos artistas. No caso dos cristãos e das pessoas éticas, a dificuldade é ainda maior, pois a informalidade, lavagem de dinheiro, tráfico e corrupção imperam no ramo. Galerias ficam com a maior parte do valor adquirido com as vendas e costumam “banir” aqueles artistas que solicitam nota fiscal. Viver do mundo artístico é difícil, mas viável, como lecionar em escolas e faculdades, ministrar cursos de pintura, trabalhar em um museu, manter um ateliê de restauração. Mas viver da comercialização da própria arte é um luxo de pouquíssimos ao redor do mundo, ainda mais no Brasil.
Em alguns segmentos específicos, como a ilustração editorial e a ilustração científica, encontramos uma maior objetividade em todos os aspectos, tanto de avaliação dos trabalhos quanto de honorários. Mas são mercados altamente restritos e, infelizmente, mal remunerados. Contam com proporcionalmente poucos artistas, pois não possuem o retorno ou a atratividade de outros ramos e estilos. Fora este segmento, tudo mais nos parece uma aposta às cegas. Por fim, a produção contemporânea responde por somente 13% do mercado artístico na atualidade. Ou seja, além dos inúmeros obstáculos que o artista enfrenta para elaborar sua arte, ainda tem que “morrer” para vendê-la bem!
Apesar dos paradigmas atuais, vocação existe e o jovem que queira seguir uma carreira artística, dentro dos valores cristãos, precisa ter absoluta certeza de que a possui. Tanto o talento, necessário para a produção de uma arte valorosa e excelente, quanto o chamado, indispensável para quem quer sonhar e viver os planos de Deus para a sua vida. Acrescentaria, ainda, a disciplina, porque alguém já disse que arte é 1% inspiração e 99% transpiração. Por maiores que sejam os obstáculos, se este for o propósito do Senhor, nenhuma dificuldade o segurará, as misérias do mundo e as ciladas do mercado serão vencidas na força do Seu poder, para que se cumpra o Seu propósito. Seja produzindo arte religiosa, seja arte secular, o artista cristão é um missionário nesta Terra e todos os seus talentos, em última instância, glorificam Aquele que graciosamente os deu.
Contudo, apesar de quase sempre vocação e profissão andarem juntas, na arte isto costuma não acontecer mais. Vejam o meu exemplo. Quando tinha dezoito anos fiz o meu primeiro curso de arte, em uma renomada escola de Belo Horizonte (MG). Certa ocasião, uma professora perguntou para cada um dos alunos se eles tinham outra profissão ou se planejavam se tornarem artistas em tempo integral. Na época, eu era estudante de arquitetura, mas nutria um secreto desejo de também possuir uma carreira artística remunerada. Cem por cento dos presentes exerciam outras atividades. Constatado o fato, a professora então nos surpreendeu com algo assim... “Vocês fazem tão bem! Viver de arte é tão sofrido... melhor é poder fazer arte sem depender dela para comer!”. Hoje, quase duas décadas depois, trabalhando indiretamente com o universo da arte através dos museus, percebo o livramento que Deus me proporcionou ao me fazer atentar para este conselho. Não depender da arte libertou-me para produzir o que meu coração pedir, sem os ditames do mercado, que não condizem comigo, com meu senso estético ou com a minha fé. Quem sabe este não é o seu caso? Esta é uma resposta que só você, buscando com seriedade e compromisso a face de Deus, pode responder!
Profissionalmente ou não, a arte sempre vale a pena. Como diria Rookmaaker: “de fato, aquilo que não podemos viver sem, não precisa de justificativa”1.
Nota:
1. A Arte Não Precisa de Justificativa, p. 36, Ultimato.
• Ana Cecília Rocha Veiga é professora de Arquitetura na UFMG, Doutora em Arte e Tecnologia da Imagem pela Escola de Belas Artes da UFMG e editora do site de estudos bíblicos “Missionários do Cotidiano”
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